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A ciência prescreve: sejamos mais otimistas! E, sim, isso é possível

Estudos comprovam que cultivar sentimentos positivos nos blinda de doenças físicas e mentais (e eles podem ser estimulados na rotina) (Artigo publicado na VEJA – 29/06/2023)

O  Word Happiness Report é uma pesquisa realizada em centenas de países ano a ano para aferir e comparar o nível de felicidade deles. Associado a uma iniciativa global da Organização das Nações Unidas (ONU), esse trabalho é realizada há uma década.

Para chegar a uma nota por nação, são feitas entrevistas com uma amostra de indivíduos de cada país, avaliando sua satisfação com a vida de forma geral, suas emoções positivas (diversão, interesses e hobbies) e emoções negativas (preocupação, tristeza e raiva). 

Em sua última versão, publicada em 2023, os finlandeses ficaram em primeiro lugar, o que já havia acontecido várias vezes antes. Enquanto isso, os brasileiros ocuparam a 49ª posição (ficamos à frente dos argentinos, pelo menos!).

Um artigo publicado no The New York Times examinou por que os finlandeses são tão felizes. Ele aponta que, longe de terem um ponto de vista uniforme e sempre leve sobre a vida, a população descreve sua felicidade por estar satisfeita com o que tem. Os finlandeses são mais otimistas.

A ciência tem mostrado que essa é uma característica intimamente ligada à sensação de bem-estar. O otimismo tem efeito em nossas vidas e no mundo em volta da gente. 

Tipicamente definido como uma maneira de pensar mais positiva, uma expectativa que boas coisas vão acontecer, o otimismo tem sido intensamente estudado por pesquisadores de diversas áreas. Várias décadas de estudos mostram que uma atitude otimista é um agente fortalecedor da saúde, protegendo-nos tanto de condições crônicas quanto agudas.

Pessoas otimistas permanecem mais saudáveis e vivem mais. Têm melhor saúde cardiovascular, imunidade em alta e menores níveis de estresse e dor. Quando esses indivíduos deparam com um evento adverso à saúde, como uma cirurgia de ponte de safena ou de prótese de quadril, tendem a se recuperar mais rápido e a reinternar menos. 

A literatura científica reúne benefícios em várias outras áreas, como melhor qualidade de vida após o diagnóstico de câncer, diabetes e doenças respiratórias. Os estudos no campo de cardiologia são particularmente contundentes.

Duas revisões de estudos, publicadas em 2019 e 2022 por grupos diferentes de pesquisadores, investigaram o efeito do otimismo sobre doenças cardiovasculares em cima de dados que cobriam milhares de pessoas. Os achados são claros: o otimismo reduz o risco cardíaco e aumenta a possibilidade de sobrevivência.

Em 2021, uma declaração científica da American Heart Association avaliou os dados existentes e fez recomendações: “há evidências crescentes de que a saúde psicológica pode determinar processos e comportamentos biológicos que contribuem e causam doenças cardiovasculares”. Dessa forma, a entidade defende que médicos utilizem instrumentos de triagem simples para avaliar o bem-estar mental do paciente e incorporem essas informações no tratamento dos problemas cardíacos. 

De onde vem esse efeito?

Quais são os mecanismos pelos quais uma expectativa mais positiva sobre o futuro resulta em melhorias para nossa saúde? Existem hipóteses biológicas que conectam o otimismo a processos regulatórios neurológicos e hormonais, inflamatórios e metabólicos.

Há também várias explicações comportamentais. Em primeiro lugar, os otimistas tendem a ter mais informações sobre sua saúde e sobre como se manter saudável (por exemplo, melhor conhecimento sobre os fatores de risco e a prevenção a ataques do coração). Além de maior conhecimento, tendem a ter comportamentos mais saudáveis.

Estudo atrás de estudo aponta que ter uma mentalidade positiva relaciona-se com exercitar-se com mais frequência, comer melhor, beber menos álcool, evitar fumar, dormir melhor. Um terceiro ponto é que quando coisas ruins acontecem, pessoas otimistas costumam estabelecer metas alcançáveis e a utilizar métodos mais efetivos para lidar com os desafios.

Aí que está: em vez de um obstáculo, você encara a coisa como desafio. Por exemplo, otimistas se concentram mais no problema em si e em seu manejamento do que no gerenciamento de medo, tristeza ou outras emoções resultantes da situação adversa. Não é que as emoções sejam ignoradas (até porque isso não é possível), mas não tomam papel central. No fim, a pessoa tende a se desesperar menos.

Por consequência, otimistas sentem mais controle sobre as situações e escolhem maneiras mais efetivas para amenizar as dificuldades. Além disso, otimistas normalmente têm e valorizam mais suas conexões sociais, que podem oferecer apoio em eventos adversos.

Com todas as vantagens do otimismo, o que pode fazer quem não se percebe assim? É possível aprender a ser otimista? A resposta é: sim, dá para aumentar a chance de enxergar as situações e o futuro de forma mais favorável, ainda que as pesquisas indiquem que uma parte do otimismo é uma característica herdada.

É bom lembrar que o otimismo, assim como o pessimismo, não é algo binário (ou temos ou não temos) como a gravidez. Em geral, estamos em um espectro entre os superotimistas e os megapessimistas. Além disso, tendemos a experimentar flutuações e fases em relação à nossa disposição mental, de acordo com circunstâncias da vida.

Psicoterapias, particularmente as de base cognitiva, contam com evidências de que são capazes de diminuir a desesperança e de aumentar a sensação de controle sobre a vida, potencialmente fortalecendo o otimismo. Elas ajudam as pessoas a “retreinar” a mente, pensando em padrões mais proveitosos e minimizando o sofrimento causado por pensamentos majoritariamente negativos e autodestrutivos.

Com a prática, esses pensamentos (que são chamados de “distorcidos”) são substituídos por concepções mais frutíferas e otimistas, que resultam em sentimentos mais positivos. Tais habilidades, aliás, também podem também ser praticadas por conta própria.

Psicologia positiva

Dentro da psicologia, outra corrente importante que foca a melhora do otimismo é a denomimada Psicologia Positiva. Ela foi desenvolvida a partir de estudos do professor Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia, nos EUA.

Seligman começou sua carreira com os clássicos experimentos sobre a desesperança aprendida. Essa teoria, desenvolvida inicialmente com experimentos em cachorros e ratos, foi citada com vigor por 50 anos, mas acabou sendo reinterpretada pelos seus próprios criadores (Martin Seligman e Steven Maier) após descobertas da neurociência.

De qualquer forma, a experiência com desesperança (tanto teoricamente quanto na vida pessoal) estimulou Seligman e vários colegas a trabalhar, com sucesso, em conceitos e intervenções que pudessem estimular o otimismo. O livro Learned Optimism, que traz os fundamentos desse pensamento, descreve como estilos explicativos (o jeito de interpretar o mundo) podem determinar nossa esperança (ou a falta dela).

Por exemplo, o pessimismo tende a se intensificar quando consideramos que circunstâncias potencialmente adversas vão comprometer nossa vida (“minha vida será toda arruinada por causa dessa situação”) e se tornar permanentes (“esse problema nunca vai melhorar”).

Já olhar para um desafio como algo que que deve ter começo, meio e fim (“as coisas vão acabar entrando nos trilhos”) e como um evento isolado (“há outras áreas indo bem em minha vida”) é um jeito de encarar as coisas de forma mais tranquila e otimista. A psicologia positiva demonstra que essa maneira de ver as coisas pode ser alterada, ao menos em parte.

Queria concluir com uma pequena advertência: o otimismo tem muitas vantagens, mas não é uma panaceia. Há situações em que uma visão mais precavida, beirando o pessimismo, pode ter suas vantagens. Confiança exagerada e a ideia de que somos imortais também pode ser deletéria para as pessoas, resultando em desastrosos erros de julgamento.

O livro  The Unthinkable: who survives when disaster strikes – and why descreve várias tragédias e mostra que avaliações bastante prudentes, acreditando que o pior pode acontecer, são centrais para a sobrevivência nessas situações.

Outro ponto é que não devemos também reverter a interpretação culpando o indivíduo que não demonstra otimismo. Isso acontece às vezes com mulheres lidando com infertilidade ou mesmo em pacientes de doenças crônicas (“tenha pensamentos positivos que conseguirá engravidar”, “se tivesse sido mais otimista não estaria tão doente”…).

Afirmações desse tipo são, evidentemente, equivocadas – e até cruéis. Nada, mas nada positivas.