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No rumo errado: por que pessoas do bem podem cometer atos terríveis?

Seguir a maioria é uma tendência humana – para o bem ou para o mal. Nossa colunista esmiúça o que está por trás da chamada conformidade social.

Os seres humanos frequentemente mostram uma propensão a abandonar suas próprias opiniões ou convicções para se alinharem com as preferências da maioria, um fenômeno comportamental conhecido como conformidade. Sim, é como se tivéssemos uma tendência a seguir o fluxo, a ser “Maria vai com
as outras”, dependendo da situação. Essa propensão a adotar as ideias do grupo, deixando de lado nossa própria perspectiva, pode ser benéfica. Afinal, se apenas nos concentrarmos em nossa visão, como poderemos aderir a compromissos para construir uma civilização? Dessa forma, em processos de tomada de decisão democrática, os indivíduos podem alinhar seus votos com a maioria para apoiar políticas ou candidatos que acreditam beneficiar o bem comum, apesar de suas preferências pessoais. No entanto, essa balança entre nossas atitudes e a influência do grupo sobre nós pode ser adversa e, às vezes, atingir extremos, com consequências reais e devastadoras.
A conformidade social foi testada em uma série de experimentos muito interessantes da psicologia social clássica. Um dos mais famosos foi o liderado pelo psicólogo polonês radicado nos EUA Solomon Asch durante os anos 1950. Neles, os participantes foram solicitados a avaliar a correspondência entre linhas de diferentes comprimentos. Elas eram iguais? Uma maior que a outra? Questão aparentemente simples, certo? O que os participantes não sabiam era que a maioria dos voluntários não passava de atores instruídos a fornecer respostas incorretas de propósito. A ideia era examinar como as pessoas reagiriam diante do conflito entre sua percepção clara da realidade e a opinião do grupo. Os resultados revelaram
uma forte inclinação à conformidade, com muitos participantes concordando com respostas claramente erradas para se adaptarem à maioria. Esse estudo evidenciou o poder da pressão social na influência do comportamento humano. Temos receio de sermos excluídos se diferirmos dos outros.

Entre vários outros experimentos desenhados com esse propósito, está o icônico estudo de obediência de Stanley Migram, da Universidade de Yale, nos EUA. A pesquisa, que certamente não seria aprovada pelos comitês de ética de hoje, usava truques para explorar as decisões dos sujeitos em relações interpessoais e foi conduzida com o objetivo de compreender o fenômeno de “seguir ordens”, um argumento usado por muitos alemães (bem como pessoas de outras nacionalidades) aparentemente “normais” que resultou na morte de milhões de judeus e outros grupos durante a Segunda Guerra Mundial.

Como tal coisa pôde acontecer, ainda mais com povos tão “civilizados”? Os participantes da pesquisa (homens da comunidade ao redor de Yale) eram instruídos a administrar choques elétricos progressivamente mais intensos a outra pessoa (chamada de cúmplice) sempre que ela respondesse
incorretamente a perguntas. Os choques elétricos eram falsos, mas os atores que agiam como cúmplices
demonstravam sofrimento crescente. A maior parte dos participantes (65%) persistiu aplicando choques no cúmplice até alcançar o nível de voltagem mais alto (descrito como extremamente perigoso, praticamente letal) quando a figura de autoridade (o experimentador) ordenava que o fizesse.
Esse estudo arrepiante demonstrou o poder das figuras de autoridade na influência do comportamento e das decisões, mesmo quando o pedido ou a ordem contradiz as convicções morais individuais. O mesmo tipo de experimento foi repetido diversas vezes ao redor do mundo com algumas variações. Os achados sempre foram muito semelhantes.

Siga o mestre!
No livro Opening Skinner’s Box, a psicóloga Lauren Slater analisou dez dos mais famosos experimentos comportamentais, incluindo a pesquisa de obediência de Milgram. Ela conseguiu encontrar e entrevistar dois participantes do trabalho, um que obedeceu ao experimentador e outro que se recusou a seguir as ordens. Será que os homens que se recusavam a obedecer as ordens eram seres especialmente éticos e fortes? Os dois entrevistados sentiram-se muito impactados por sua participação no estudo. Mas esses homens, agora quase octogenários, não eram pessoas extraordinárias (para o bem ou para o mal). O sujeito que desafiou o experimento contou que se recusou a continuar dando choques porque achou
que ele (não o ator levando os choques) poderia morrer de um ataque cardíaco devido ao estresse do momento.

Por outro lado, o participante que demonstrou obediência ao pesquisador mudou sua vida e atitudes após “ter matado” outra pessoa no experimento. Perceber do que era capaz proporcionou uma valiosa compreensão sobre sua própria suscetibilidade à manipulação e o motivou a adotar uma postura mais
assertiva em suas interações. Consequentemente, ele ficou menos inclinado a se conformar com figuras de autoridade e começou a viver sua vida de acordo com suas próprias convicções. Diferentemente do que gostaríamos de pensar, não se tratava de uma característica intrínseca da personalidade desses participantes que determinava se eles obedeciam ou não à ordem de causar danos aos outros. O que sabemos é que uma variedade de processos psicológicos pode levar até mesmo pessoas bem-intencionadas a abandonar seus valores e agir de maneira terrível em relação aos outros. Essas forças negativas estão relacionadas à diminuição da sensação de responsabilidade ao prejudicar outras pessoas.
Isso ocorre, como exemplificado pelo experimento de Milgram, através da percepção de que estamos apenas obedecendo a uma autoridade (“Não sou eu. Sou apenas um instrumento do que outra pessoa me ordena fazer”). A redução da responsabilidade também pode ser alcançada através da sensação de se
diluir dentro do grupo (desindividualização do eu).

Ao fazer parte de um grupo onde todos têm o mesmo comportamento, é mais fácil sentir que não somos nós agindo, mas sim o grupo (pense no bullying terrível praticado por adolescentes muitas vezes bem ajustados). Outro processo psicológico que ocorre nessas situações é o anonimato. Quando estamos anônimos (usando máscaras ou pseudônimos na internet), não nos vemos expressando coisas horríveis, mas como uma entidade desconhecida. Uma forma adicional é desenvolver um desprezo em relação aos outros. Isso pode ser feito usando palavras que descrevem o outro não como uma pessoa, mas como um rótulo – ah, ele é bolsonarista ou lulista! A desumanização dos outros facilita enormemente a capacidade de causar-lhes dano, seja emocional ou físico.

A demonização do outro
Outro estudo clássico da psicologia, o experimento da Caverna dos Ladrões de Muzafer Sherif, oferece insights importantes, além de mais conscientização sobre os fenômenos mencionados, ou seja, como se desenvolvem atitudes hostis em relação a grupos inteiros. Nesta pesquisa, meninos de 12 anos em um acampamento de verão foram divididos aleatoriamente em duas turmas. Inicialmente, foram encorajados a se identificar com seus próprios grupos e, em seguida, incentivados a competir intensamente em várias atividades. Rapidamente, os grupos tornaram-se cada vez mais agressivos um com o outro, chegando a xingamentos e brigas físicas, quase levando os pesquisadores a interromper o experimento. Diversas estratégias foram então tentadas para promover a amizade entre os meninos dos dois grupos, incluindo oportunidades de reconciliação, como assistir a um filme juntos, soltar fogos de artifício para comemorar o dia da independência e conversar com um pastor protestante sobre ética religiosa (os meninos eram todos de famílias protestantes). No entanto, nada disso reduziu a hostilidade entre os grupos. As tensões só começaram a diminuir quando os experimentadores introduziram situações, como consertar um suprimento de água para todo o acampamento, que exigiam que os dois grupos trabalhassem em conjunto para superar o problema.

O fato é que pessoas comuns seguem o fluxo da multidão. Pessoas comuns se submetem a autoridades. Pessoas comuns temem ser excluídas socialmente. E é dessa forma que, às vezes, o ódio se espalha.
Para mantermos nossa humanidade, é fundamental que estejamos atentos para não enxergar outros seres humanos como “estranhos”, desconectados de nós. É preciso compreender que nossas atitudes morais, nossa empatia e a preocupação com os outros estão, ao menos parcialmente, ligadas à nossa
sensação de pertencimento. Como é bastante fácil as pessoas se posicionarem em grupos distintos e simplificarem questões complexas (como a divisão reducionista do mundo entre opressores e oprimidos), devemos reconhecer que nós também podemos agir desumanizando o outro – e prevenir isso.